09/11/2017

2.566.(9noVEMbro2017.13.31') Paulo Mendes Campos

Nasceu a 28fev1922
e morreu a 1jul1991
***
https://www.pensador.com/autor/paulo_mendes_campos/
Resultado de imagem para frases de Paulo Mendes Campos
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. 
"Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais 
decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a 
resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.
*
Não consigo entender
O tempo
A morte
Teu olhar
O tempo é muito comprido
A morte não tem sentido
Teu olhar me põe perdido
Não consigo medir
O tempo
A morte
Teu olhar
O tempo, quando é que cessa?
A morte, quando começa?
Teu olhar, quando se expressa?
Muito medo tenho
Do tempo
Da morte
De teu olhar
O tempo levanta o muro.
A morte será o escuro?
Em teu olhar me procuro.

*
Os lados, de Paulo Mendes Campos
Há um lado bom em mim.
O morto não é responsável
Nem o rumor de um jasmim.
Há um lado mau em mim,
Cordial como um costureiro,
Tocado de afetações delicadíssimas.

Há um lado triste em mim.
Em campo de palavra, folha branca.

Bois insolúveis, metafóricos, tartamudos,
Sois em mim o lado irreal.

Há um lado em mim que é mudo.
Costumo chegar sobraçando florilégios,
Visitando os frades, com saudades do colégio.

Um lado vulgar em mim,
Dispensando-me incessante de um cortejo.
Um lado lírico também:

Abelhas desordenadas de meu beijo;
Sei usar com delicadez um telefone,
Nâo me esqueço de mandar rosas a ninguém.

Um animal em mim,
Na solidão, cão,
No circo, urso estúpido, leão,
Em casa, homem, cavalo...

Há um lado lógico, certo, irreprimível, vazio
Como um discurso,
Um lado frágil, verde-úmido.
Há um lado comercial em mim,
Moeda falsa do que sou perante o mundo.

Há um lado em mim que está sempre no bar,
Bebendo sem parar.

Há um lado em mim que já morreu.
Às vezes penso se esse lado não sou eu.

*
RONDÓ DE MULHER SÓ

Estou só, quer dizer, tenho ódio ao amor que terei pelo desconhecido que está a caminho, um homem cujo rosto e cuja voz desconheço. 

Sempre estive duramente acorrentada a essa fatalidade, amor. Muito antes que o homem surja em nossa vida, sentimos fisicamente que somos servas de uma doação infinita de corpo e alma. 

O homem é apenas o copo que recebe o nosso veneno, o nosso conteúdo de amor. Não é por isso que o homem me atemoriza, quando aqui estou outra vez, só, em meu quarto: o que me arrepia de temor é este amor invisível e brutal como um príncipe. 

Quando se fala em mulher livre, estremeço. Livre como o bêbado que repete o mesmo caminho de sua fulgurante agonia. 

A uma mulher não se pergunta: que farás agora da tua liberdade? A nossa interrogação é uma só e muito mais perturbadora: que farei agora do meu amor? Que farei deste amor informe como a nuvem e pesado como a pedra? Que farei deste amor que me esvazia e vai remoendo a cor e o sentido das coisas como um ácido? É terrível o horror de amar sem amor como as feras enjauladas. 

É quando o homem desaparece de minha vida que sinto a selvageria do amor feminino. Somos todas selvagens: são inúteis as fantasias que vestimos para o grande baile. Selvagem era a romana que ficava em casa e tecia; selvagens eram as mulheres do harém, as mais depravadas e as mais pudicas; selvagem, furiosamente selvagem, foi a mulher na sombra da Idade Média, na sua mordaça de castidade; mesmo as santas - e Santa Teresa de Ávila foi a mais feminina de todas - fizeram da pureza e do amor divino um ato de ferocidade, como a pantera que salta inocente sobre a gazela. E selvagem sou eu sob a aparência sadia do biquíni, olhando a mecânica erótica de olhos abertos, instruída e elucidada. Pois não é na voluntariedade do sexo que está a selvageria da mulher, mas em nosso amor profundo e incontrolável como loucura. O sexo é simples: é a certeza de que existe um ponto de partida. Mas o amor é complicado: a incerteza sobre um ponto de chegada. 

Aqui estou, só no meu quarto, sem amor, como um espelho que aguarda o retorno da imagem humana. O resto em torno é incompreensível. O homem sem rosto, sem voz, sem pensamento, está a caminho. Estou colocada nesse caminho como uma armadilha infalível. Só que a presa não é ele - o homem que se aproxima - mas sou eu mesma, o meu amor, a minha alma. Sou eu mesma, a mulher, a vítima das minhas armadilhas. Sou sempre eu mesma que me aprisiono quando me faço a mulher que espera um homem, o homem. Caímos sempre em nossas armadilhas. Até as prostitutas falham nos seus propósitos, incapazes de impedir que o comércio se deixe corromper pelo amor. Quantas mulheres traçaram seus esquemas com fria e bela isenção e acabaram penando de amor pelo velhote que esperavam depenar. Somos irremediavelmente líquidas e tomamos as formas das vasilhas que nos contêm. O pior agora é que o vaso está a caminho e não sei se é taça de cristal, cântaro clássico, xícara singela, canecão de cerveja. Qualquer que seja a sua forma, depois de algum tempo serei derramada no chão. Os vasos têm muitas formas e andam todos eles à procura de uma bebida lendária. 

Li num autor (um pouco menos idiota do que os outros, quando falam sobre nós) que o drama da mulher é ter de adaptar-se às teorias que os homens criam sobre ela. Certo. Quando a mulher neurótica por todos os poros acaba no divã do analista, aconteceu simplesmente o seguinte: ela se perdeu e não soube como ser diante do homem; a figura que deveria ter assumido se fez imprecisa. 

Para esse escritor, desde que existem homens no mundo, há inúmeras teorias masculinas sobre a mulher ideal. Certo. A matrona foi inventada de acordo com as idéias de propriedade dos romanos. Como a mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita, muito docilmente a mulher de César passou a comportar-se acima de qualquer suspeita. Os Dantes queriam Beatrizes castas e intocáveis, e as Beatrizes castas e intocáveis surgiram em horda. A Renascença descobriu a mulher culta, e as renascentistas moderninhas meteram a cara nos irrespiráveis alfarrábios. O romancista do século passado inventou a mulherzinha infantil, e a mulherzinha infantil veio logo pipilando. 

O tipos vão sendo criados indefinidamente. Médicos produzem enfermeiras eficientes e incisivas como instrumentos. Homens de negócios produzem secretárias capazes e discretas. As prostitutas correspondem ao padrão secreto de muitos homens. Assim somos. Indiquem-nos o modelo, que o seguiremos à risca. Querem uma esposa amantíssima - seremos a esposa amantíssima. Se a moda é mulher sexy, por que não serei a mulher sexy? Cada uma de nós pode satisfazer qualquer especificação do mercado masculino. 

Seremos umas bobocas? Não. Os homens são uns bobocas. O homem é que insiste em ver em cada uma de nós - não a mulher, a mulher em estado puro ou selvagem, um ser humano do sexo feminino - o diabo, a vagabunda, a lasciva, o anjo, a companheira, a simpática, a inteligente, o busto, o sexo, a perna, a esportista... Por que exige de nós todos os papéis, menos o papel de mulher? Por que não descobre, depois de tanto tempo, que somos simplesmente seres humanos carregados de eletricidade feminina? 

(O amor acaba: crônicas líricas e existenciais. 2a ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 63-65).

***

A meu av?Cesário devo este horror pelos cães, o pescoço musculoso, o riso acima de minhas posses, o pressentimento de uma velhice turbulenta

(...) A minha av?Margarida, a maneira leve de pisar e fechar portas.

A Minas Gerais, a minha sede, o jeito oblíquo e contraditório, os movimentos de bondade (todos), o hábito de andanças pela noite escura (da alma, naturalmente), a procrastinação interminável, como um negócio de cavalos ?porta de uma venda."
("Meditações Imaginárias")
nasceu  em Belo Horizonte - MG, filho do médico e escritor Mário Mendes Campos e de D. Maria Jos?de Lima Campos. Começou seus estudos na capital mineira, prosseguiu em Cachoeira do Campo (onde o padre professor de Português lhe vaticinou: "Voc?ainda ser? escritor") e terminou em São João del Rei.
Começou os estudos de Odontologia, Veterinária e Direito, não chegando a complet?los. Seu sonho de ser aviador também não se concretizou. Diploma mesmo, gostava de brincar, s?teve o de datilógrafo. Muito moço ainda, ingressou na vida literária, como integrante da geração mineira a que pertence Fernando Sabino e pertenceram os j?falecidos Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino, João Ettiene Filho e Murilo Rubião. Em Belo Horizonte, dirigiu o suplemento literário da Folha de Minas e trabalhou na empresa de construção civil de um tio.
Veio ao Rio de Janeiro, em 1945, para conhecer o poeta Pablo Neruda, e por aqui ficou. No Rio j?se encontravam seus melhores amigos de Minas — Sabino, Otto, e Hélio Pellegrino. Passou a colaborar em O JornalCorreio da Manh?/i> (de que foi redator durante dois anos e meio) e Diário Carioca. Neste último, assinava a "Semana Literária" e, depois, a crônica diária "Primeiro Plano". Foi, durante muitos anos, um dos três cronistas efetivos da revista Manchete.
Admitido no IPASE, em 1947, como fiscal de obras, passou a redator daquele órgão e chegou a ser diretor da Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
Em 1951 lança seu primeiro livro, "A palavra escrita" (poemas).
Casou-se, nesse mesmo ano, com Joan, de descendência inglesa, tendo tido dois filhos: Gabriela e Daniel.
Buscando meios de sustentar a família, Paulo Mendes Campos foi repórter e, algumas vezes, redator de publicidade
Foi, também, hábil tradutor de poesia e prosa inglesa e francesa — entre outros Júlio Verne, Oscar Wilde, John Ruskin, Shakespeare, além de Neruda, tendo enriquecido sua experiência humana em viagens ? Europa e ?Ásia.
Em 1962, experimentou ácido lisérgico, acompanhado por um médico.  Relatou sua experiência em artigos publicados na revista "Manchete", depois reproduzidas em "O colunista do morro" e em "Trinca de copas", seu último livro. Disse que a droga abriu "comportas" e ele se deixou invadir pelo "jorro caótico"do inconsciente at?sentir o peso e a nitidez das palavras que produziam um "milagre da voz". E completava: "A comparação não presta, mas por um momento eu era uma espécie de São Francisco de Assis falando com o lobo. O lobo também sabe que amor com amor se paga".
Em 1967, em seu livro "Hora do Recreio", escreveu:

Autobiografia

1922 - Semana de Arte Moderna, revolta do Forte de Copacabana, morte do Papa, o rei entrega o poder a Mussolini. Nada tenho com tudo isso: simplesmente nasço.

1923 - Morre o Rui, Stalin assume a chefia do poder soviético, putch de Hitler em Munique. Eu nada disse, nada me foi perguntado.

1924 - Revolução em São Paulo, estado de sítio. Dou para quebrar minhas mamadeiras, após o ato de esvazi?las. O califado turco entra pelo cano.

1925 - Começo a ver o diabo dançando em torno de meu berço;e gosto.

1928 - Carmona, presidente de Portugal; Hiro-Hito, imperador do Japão. Ganho um par de botinas e durmo abraçado a elas.

1927 - Com o nome de Charles Lindbergh, atravesso o Atlântico pilotando o Spirit of Saint Louis.

1928 - Antônio de Oliveira Salazar torna-se precocemente ministro das finanças portuguesas; perco na Rua Tupis uma prata de dois mil-réis.
1929 - Craque na bolsa de Nova Iorque. Pulo do bonde em movimento na rua da Bahia, esborracho-me no chão, um Ford último modelo consegue parar em cima de mim, e quase não fico para contar a história.

1930 - Revolução: mesmo com fratura dupla no braço, dou o melhor de mim ao lado das tropas rebeldes e, logo após, ao lado das tropas legalistas. Na caixa d'água da Serra leio 0 Barão de Münchausen.

1931 - A Inglaterra deixa o padrão ouro, Afonso XIII deixa o trono espanhol. Eu, Robinson Cruso? naufrago no Pacífico, chego a uma ilha cheia de ilustrações coloridas e me torno amigo de Sexta-Feira.

1932 - Revolução de São Paulo. Luto na Mantiqueira, tremendo de frio e de coragem; não tenho muita certeza se morro ou não.

1933 - Morre dentro da banheira o Presidente Olegário Maciel. O Padre Coqueiro vem dizer que as aulas estão suspensas por motivo de luto nacional. Viva Olegário Maciel! Fujo da casa paterna, materna, fraterna, mochila nas costas, em busca dos índios de Mato Grosso; regresso ao atingir as terras da Mutuca, hoje subúrbio de Belo Horizonte.

1934 - Hitler ?Führer do Reich; eu não sei se sou Winetou ou Mão de Ferro.

1935 - Mussolini ataca a Abissínia; ataco e defendo no time da divisão dos médios como centro-médio.

1936 - Morre George V, viva Eduardo VIII, que renuncia, sobe ao trono George VI. Ganho com alegria o bilhete azul do colégio.

1937 - O golpe do Estado Novo me pega de surpresa, quando subo as escadas da capela do outro colégio para a benção do Santíssimo e uma prática chatíssima de Frei Mário.

1938 - Os japoneses tomam Cantão; no Hotel Espanhol, São João del-Rei, os bacharelandos do Ginásio de Santo Antônio tomam vinho Gatão e recitam um ditirambo de Medeiros de Albuquerque (estava no florilégio do compêndio): "Bebe! e se ao cabo da noite escura, / Hora de crimes torpes, medonhos, / Varrer-te acaso da mente os sonhos, / Cerra os ouvidos ?voz do povo! / Ergue teu cálice, bebe de novo!" Foi o que fizemos.

1939 - Começo a guerra.

1940 - Caio com a França.

1941 - Não sou mais eu: 1) sou como o rei de um país chuvoso; 2) sou uma nuvem de calças; 3) sou 350; 4) sou triste e impenetrável como um cisne de feltro. E assim por diante.

1942 - Atingido pelo mal do século (XVIII), mato-me no Parque Municipal. Meu nome ? Werther.

1943 - Venço a batalha de Stalingrado.

1944 - Maquis.

1945 - Tomo o noturno mineiro e me mudo para o Rio, acabo com a ditadura.

1946 - 1955 – Yo era un tonto.

1956 - 1960 - Lo que h?visto me ha hecho dos tontos.
1961 - Subo no espaço sideral, dou uma volta em torno da Terra na primeira nave cósmica tripulada por um ser humano. Depois desço no Bico de Lacre, bar dos mentirosos e sonhadores, e digo: "O Mundo ?azul.”

(Publicado no livro “
Hora do Recreio”, Editora Sabi?1967, pág. 07,  relançado em 1976 com o título de “Rir ?o Único Jeito (Supermercado)”, Editora Tecnoprint S.A. – Rio de Janeiro, pág. 11).
Cético, sem perder a ternura, jamais fez concessões e tinha horror ?vulgaridade, fosse ela temática ou vernacular.  A perplexidade humana ? devassada em sua poesia; sua prosa ?penetrante, algumas vezes cheia de bom humor.
Paulo Mendes Campos faleceu na cidade do Rio de Janeiro no dia 1?de julho de 1991, aos 69 anos de idade.

Em 1999 foi homenageado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: tem seu nome uma pequena praça que fica no cruzamento das ruas Dias Ferreira, Humberto de Campos e General Venâncio Flores, no Leblon.
Um de seus livros, publicado pela Editora do Autor, teve esta apresentação, que bem define o escritor:
"Homem em quem o gosto das leituras requintadas e as orgias silenciosas do pensamento não estragaram ao prazer e a emoção dos encontros com o povo e com a vida de todo dia, Paulo Mendes Campos faz, na leveza de suas crônicas, páginas que vencem o efêmero pela sua qualidade literária e pela sua autêntica vibração humana".

Bibliografia
:

A Palavra Escrita, poesia, Ed. Hipocampo - Rio de Janeiro, 1951

Forma e Expressão do Soneto, antologia, 1952

Testamento do Brasil, poesia, 1956

O Domingo Azul do Mar, poemas, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1958

Páginas de Humor e Humorismo, antologia, ampliada e reeditada em 1965 sob o título Antologia Brasileira de Humorismo.

O Cego de Ipanema, crônicas, Ed. do Autor - Rio de Janeiro, 1960

Homenzinho na Ventania, crônicas, Ed.do Autor - Rio de Janeiro, 1962

O Colunista do Morro, crônicas, Ed. do Autor - Rio de Janeiro, 1965

Testamento do Brasil e Domingo Azul do Mar (poemas - edição conjunta), Ed. do Autor - Rio de Janeiro, 1966

Hora do Recreio, crônicas, Editora Sabi? Rio de Janeiro, 1967

O Anjo Bêbado, crônicas, Ed. Sabi?- Rio de Janeiro, 1969

Trinca de Copas, 1984

Rir ?o Único Jeito (Supermercado), Ed. Ediouro - Rio de Janeiro. (Reedição de Hora do Recreio, com novo título - livro de bolso).

O Amor Acaba - Crônicas Líricas e Existenciais - Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1999.

Cisne de Feltro - Crônicas Autobiográficas - Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.

Alhos e Bugalhos - Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.

Brasil brasileiro — Crônicas do país, das cidades e do povo - Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.

Murais de Vinícius e outros perfis - Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.

O gol ?necessário ?Crônicas esportivas -  Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.

Artigo indefinido -  Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.

De um caderno cinzento — Apanhadas no chão - Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.

Bal?do pato e outras crônicas - Editora Ática - S. Paulo, 2003.

A volta ao mundo em 80 dias - Tradução e adaptação do livro de Julio Verne, Ediouro, 2004.

Quatro histórias de ladrão - Editora Agir, Rio de Janeiro, 2005.
http://www.releituras.com/pmcampos_bio.asp
***
O amor acaba

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Texto extraído do livro "O amor acaba", Editora Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1999, pág. 21, organização e apresentação de Flávio Pinheiro.
http://www.releituras.com/i_eleonora_pmcampos.asp
***
a 10 estreia e no face fui recolhendo
frases soltas e videos...
6noVEMbro2017

Gambuzinos com 1 pé de fora

(…) e a vida, afinal é como as orquídeas.

"O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio… acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado… o amor pode acabar na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina… nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada… uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba… ás vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque… na janela que se abre, na janela que se fecha; ás vezes não acaba e é simplesmente esquecido… ás vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor…
em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba."