19/03/2018

6.849.(19mar2018.8.8'9 António Champalimaud e Fundação Champalimaud

Nasceu a 19mar1918
e morreu a 8maio2004
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António de Sommer Champalimaud
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https://www.fchampalimaud.org/
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19MAR2018

Uma vida inteiramente dedicada à acumulação pessoal de riqueza

100 anos de Champalimaud, o homem que pagou para se tornar santo

Nasceu há 100 anos um dos homens que simbolizou o poder dos monopólios durante o regime fascista e que acabou reabilitado com as privatizações. O filantropo só surgiu depois da morte.
António Sommer Champalimaud nasceu a 19 de Março de 1918, filho de um descendente de fidalgos e comerciante de vinhos do Douro, e de uma neta de um barão alemão.
Na década de 1940, com a morte do pai e de um tio, assume os negócios do vinho, a urbanização da Quinta da Marinha, em Cascais, e a Empresa de Cimentos de Leiria (futura Cimpor). Mas da sua herança recebe, também, propriedades em São Tomé e Príncipe e participações em minas de cobre, em Angola. Casa com uma das filhas de Manuel de Mello, o herdeiro da CUF de Alfredo da Silva, e cimenta a sua posição na elite económica do regime fascista.
Com os frutos da herança, alarga o seu grupo económico à banca, através do Pinto & Sotto Mayor, às seguradoras Mundial e Confiança, e à Siderurgia Nacional, no Seixal. Apesar do mito, fabricado posteriormente com a ajuda preciosa do seu amigo Daniel Proença de Carvalho, de que seria um liberal e crítico do regime, o único problema com o fascismo surgiu já com Marcello Caetano, quando tentou comprar o Banco Português do Atlântico. No entanto, o negócio só foi travado quando, ainda antes de fechado o negócio, pressionou a administração do banco para que concedesse empréstimos astronómicos às empresas do seu grupo económico.
A expansão das suas posições nas colónias portuguesas foi outra das apostas, com a construção de várias fábricas de cimento em Angola e Moçambique, e o alargamento para o sector do ferro e do aço, tornando-se num dos principais homens de confiança do regime na exploração dos recursos naturais das colónias africanas. Em palavras suas, entendia a sua presença em África da mesma forma como olhava para a guerra: a luta pela manutenção do «homem português» no continente.
Após a Revolução de Abril, as suas empresas são nacionalizadas e António Champalimaud vira as suas atenções para o Brasil, onde já tinha começado a montar negócio no sector dos cimentos. Seriam o Banco Pinto & Sotto Mayor e a Cimpor, já nacionalizados, a pagar os empréstimos com que pagou a reconstituição da sua fortuna do outro lado do Atlântico.

Com Cavaco recebe indemnização, bancos e seguros

Champalimaud viria a regressar em força ao sector financeiro nacional com as privatizações promovidas pelo governo de Cavaco Silva, com o apoio do então Presidente da República Mário Soares. Mas primeiro o executivo do PSD resolve o pedido de indemnização que corria desde 1975. Em 1990, Champalimaud exigir 80 milhões de contos (900 milhões de euros, a preços de 2017).
Apesar de a primeira proposta apontar para um valor nunca superior a 200 mil contos (2,2 milhões de euros, a preços de 2017), viria a pagar 10 milhões de contos (mais de 100 milhões de euros, a preços de 2017). Também os empréstimos com que construiu as suas unidades no Brasil, pagos pelas empresas públicas, foram perdoados, no valor de mais de 15 milhões de contos.
Com os 25 milhões de contos que lhe foram entregues pelo governo de Cavaco, recuperou as suas antigas seguradoras, entretanto transformadas na Mundial-Confiança. Depois, na privatização do Pinto & Sotto Mayor, aproveitou várias condicionantes que fizeram do processo um verdadeiro «pronto-a-comprar» para Champalimaud. Entretanto, já tinha entrado no capital da Petrogal e somou o Totta & Açores e o Crédito Predial Português ao seu universo financeiro.
As suspeitas de favorecimento pelo governo do PSD a António Champalimaud levaram a Assembleia da República a investigar as privatizações das seguradoras e dos bancos através de uma comissão de inquérito. Viria a terminar sem conclusões porque o PS se absteve, em 1999, com o argumento de que a aprovação do documento seria uma provocação que levaria à venda do grupo Champalimaud aos espanhóis do Santander. O relatório foi chumbado e dias depois, Champalimaud vendeu mesmo.

A consciência social que nunca teve em vida

Quando morreu, em 2004, ostentava a distinção de homem mais rico de Portugal, sendo o único português na famigerada lista da revista Forbes. Depois de sucessivas operações, ao longo de mais de meio século, com o único objectivo de construir fortuna, guardou para depois da morte a imortalização do seu nome, sob a capa de filantropia.
Com apenas um terço do seu património, deixou em testamento a constituição de uma fundação que ostenta o nome dos seus pais, dedicada à investigação em neurociências e sobre o cancro. Para a sua presidência deixou um nome já escolhido: a ministra da Saúde do governo que lhe devolveu a fortuna em Portugal, Leonor Beleza.
Apesar do assomo filantrópico do final da sua vida, não deixou os seus herdeiros de mãos vazias. A Gestmin, criada por Manuel de Mello Champalimaud, o descendente das duas famílias icónicas do regime fascista, em 2004, aí está para o provar: tornou-se recentemente na principal accionista dos CTT. Na família, as privatizações continuam a ser um bom negócio.
https://www.abrilabril.pt/nacional/100-anos-de-champalimaud-o-homem-que-pagou-para-se-tornar-santo
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17jun1999
O escândalo Champalimaud
ou o PS por ele próprio

Quando, há poucos dias, foi tornado público o negócio pelo qual Champalimaud vendeu o seu império aos espanhóis do Banco Santander Central Hispano transferindo para Espanha o controlo de uma parte importante do sistema financeiro português, o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças do Governo PS, Teixeira dos Santos, num momento de espontânea sinceridade, veio dizer que "este negócio é uma negação do tratamento de favor que foi dado ao grupo de António Champalimaud pelo Governo anterior para se criar um centro de decisão nacional no sector financeiro".
O céu parecia ter desabado em cima das nossas cabeças, ou melhor, das cabeças do PS. É que o descuidado membro do Governo socialista, rapidamente mandado calar, veio dizer aquilo que o PS, três semanas antes, tinha negado para justificar o facto de se ter aliado ao PSD e ao PP na rejeição do relatório da "Comissão de Inquérito Parlamentar para Apreciação de Actos dos Governos do PS e do PSD envolvendo o Estado e Grupos Económicos", constituída por proposta do PCP, e onde exactamente se concluía que "o Governo PSD, prejudicando os interesses patrimoniais do Estado e de terceiros, favoreceu António Champalimaud, pondo á sua disposição os meios necessários para adquirir empresas do Estado em processo de privatização". 
Como afirmaram os deputados do PCP na declaração de voto final "o processo de privatização da Mundial Confiança e do Banco Totta & Açores que conduziu ao controle destas duas empresas por António Champalimaud é, porventura, o caso mais paradigmático de como os interesses e os meios do Estado foram postos ao serviço da reconstituição de um grupo económico privado". 
Vale, aliás, a pena recuperar, agora, alguns dos factos fundamentais que foram então apurados : que o Governo do PSD celebrou um acordo global com António Champalimaud pelo qual o Estado não só desistiu de todos os processos contra o velho senhor do capital como colocou á sua disposição, através das então empresas públicas CIMPOR e Banco Pinto & Sotto Mayor, 18,6 milhões de contos, com os quais aquele adquiriu 51% da Mundial Confiança que lhe serviu de alavanca para tomar conta, posteriormente, do próprio Sotto Mayor e do Totta & Açores; que lhe foi dada autorização para controlar o BTA sem necessidade de lançar uma OPA (Operação Pública de Aquisição) como era exigido pela legislação portuguesa prejudicando o Estado e os demais accionistas; que esta autorização, que o então Governo do PSD concedeu, legitimou e branqueou um negócio ilegal de 28/12/94 celebrado entre o BANESTO, os seus testas de ferro portugueses e António Champalimaud pelo qual se provava que, contra a lei portuguesa, o conhecido financeiro espanhol Mário Conde tinha adquirido o controlo do Totta & Açores. Recorde-se também que um dos processos do Estado contra Champalimaud resultava do facto deste, em finais de 1974, procurando sabotar a jovem revolução de Abril, ter desviado fundos do Banco Pinto & Sotto Mayor para a abertura de contas pessoais e secretas em Londres. 
E tudo isto foi combinado em reuniões e encontros que envolveram altos responsáveis ministeriais dos Governos cavaquistas como os ex-ministros Braga de Macedo e Eduardo Catroga ou o então Secretário de Estado Elias da Costa.
Recorde-se finalmente que em Novembro de 1996, já com o Governo PS, foi entregue a Champalimaud o resto do capital do Totta (13 %) que ainda estava na posse do Estado.
Como afirmaram os deputados do PCP "houve uma actuação deliberada do Governo, em concertação com António Champalimaud, no sentido de ser reconstituído o império económico e financeiro deste sem que tivesse de despender quaisquer recursos próprios significativos".
Tudo isto foi largamente comprovado e transposto para a proposta de relatório final da Comissão de Inquérito. Pela forma como tinham decorrido as múltiplas reuniões e audições da Comissão tudo indicava que o relatório seria aprovado e que, finalmente, a Assembleia da República, pela primeira vez, faria luz sobre "esta gigantesca operação de engenharia financeira e política, conduzida ao mais alto nível do Estado português", como sublinharam os deputados do PCP. De facto, ao contrário de idêntico inquérito também proposto pelo PCP na legislatura anterior cujas conclusões branqueadoras foram impostas pela maioria absoluta do PSD, neste já não parecia haver essa possibilidade e os deputados do PS, juntamente com os deputados do PCP e o relator, estavam em condições de aprovar o relatório.
Só que à medida que se foi caminhando para as sessões finais de debate e votação do inquérito e se começou a vislumbrar a hipótese do relatório ser mesmo aprovado pressões de toda a ordem começaram a abater-se sobre a Comissão de Inquérito. O ex-Ministro Catroga foi, nesse plano, o mais visível. Até apresentou, a seu favor, pareceres de tão ilustres constitucionalistas como Vital Moreira e Miguel Galvão Teles para além de múltipla correspondência e pedidos de reuniões aos deputados e á Comissão. Foram, inclusivamente publicados editoriais de imprensa em defesa de Champalimaud e contra o projecto de relatório.
Eis que então se dá o volte face do PS. De uma reunião para a outra os deputados do PS dão o dito por não dito e modificam a sua posição em toda a linha. Começam por propôr que o ex-Ministro Catroga fosse ouvido de novo para se poder defender das conclusões da proposta de relatório. Coisa nunca vista em anteriores Comissões. Até que, finalmente, se absteve na votação final do relatório – com a honrosa excepção do deputado Henrique Neto – o que, somado aos votos contra do PSD e do PP (este votou contra o relatório de um deputado da sua própria bancada) inviabilizou e chumbou o relatório. Argumento oficial do PS: que as conclusões do relatório proposto não estavam provadas.
Sabe-se agora, pelas declarações do Secretário de Estado Teixeira dos Santos e de deputados do PS, que na altura, contra o apuramento da verdade, foi feito um acordo entre o Governo do Engº Guterres e António Champalimaud para garantir a abstenção dos socialistas. Champalimaud ter-se-ia, em contrapartida, comprometido a não vender aos espanhóis. Espantoso. O PS pôs, aqui também, a raposa a guardar as galinhas.
O que se prova agora é que o PS sabia do negócio e a única coisa que se lembrou de fazer foi um acordo com Champalimaud para que a verdade sobre o escândalo e as ilegalidades cometidas na reconstituição do seu império fossem abafadas. A verdade é que o PS mentiu na Comissão de Inquérito para favorecer Champalimaud e os seus deputados prestaram-se a um triste papel. O PS juntou-se, assim, ao PSD no tratamento de favor dado a Champalimaud. 
Em resumo: Champalimaud, com o favor de António Guterres, vai receber 120 milhões de contos pela venda ao Santander de 40% da sua holding pessoal que controla 51% da Mundial Confiança, 51% do Pinto & Sotto Mayor, 94% do Totta & Açores e 70,5 % do Crédito Predial Português e que, com Cavaco Silva, tinha tomado conta sem gastar um tostão de seu. Grande negócio, á custa dos dinheiros públicos! 
A história das factos fala por si. Mas agora é preciso ir até ao fim. O Grupo Parlamentar do PCP já propôs a convocação de Teixeira dos Santos. E não venha agora o PS e o Governo fazerem discursos hipócritas em defesa do interesse nacional e dos pequenos accionistas. Se tivessem aprovado o relatório, porventura, este negócio não teria condições para ir para a frente. Ao comportar-se como se comportou o PS é responsável pelo negócio se ter concretizado. 
Aqueles que tantas vezes criticam o PCP por afirmarmos que, nas questões essenciais, o PS não se distingue do PSD têm aqui mais uma resposta. Infelizmente. Neste caso, significativamente, na reconstituição e nos negócios do grupo económico de Champalimaud e nas relações promíscuas entre o Estado e os grandes interesses privados em prejuízo do País.

http://www.avante.pt/arquivo/1333/3303h1.html
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19mar2018
A vida de António Champalimaud em resumo
Nasce a 19.03.1918
Foi o primeiro filho de Anna Sommer Champalimaud e de Carlos Montez Champalimaud, médico militar, grande proprietário e produtor de vinhos do Douro. Nasceu em Lisboa, na Lapa. O pai era descendente de fidalgos da Casa Real, a mãe neta de um barão alemão radicado em Lisboa
e comerciante de ferro.
Estuda com os jesuítas
Vive até aos 10 anos na Quinta da Marinha, entre a terra e o mar. Em 1928, segue para um colégio de jesuítas, na Galiza. "Deram-me a capacidade de me hierarquizar e de prestar atenção ao detalhe", dizia. Em 1993 vem para o Colégio Académico, em Lisboa, onde se prepara para a Faculdade de Ciências, no curso de Ciências de Físico-Química.
A morte do pai
No dia 5 de maio de 1937, Carlos Montez Champalimaud morre e deixa os negócios em situação difícil. O filho António deixa a faculdade
e compromete-se a solucionar
os problemas sem colocar em causa os bens familiares. Dinamiza a exportação do vinho do Porto e é responsável pelos primeiros projetos de urbanização da Quinta da Marinha, segundo os planos do pai de 1920.
Casamento
Em 1941 casa com Maria Cristina de Mello, filha de Manuel de Mello, e têm sete filhos. Separam-se no final dos anos de 1950.
Herança
Aos 24 anos toma posse da administração da Empresa de Cimentos de Leiria, do tio Henrique Sommer, que morre em 1944 e lhe deixa grande parte dos seus bens.
Siderurgia: o sonho
Em 1954 funda a Siderurgia Nacional, inaugurada em 1961. Um sonho que o filho Luís diz ter mais de 20 anos. "Em 1942 o meu pai disse a um amigo - vamos construir uma siderurgia." Faz negócios em Angola e Moçambique e torna-se o maior acionista do Banco Pinto & Sotto Mayor, adquire a Confiança e participa na Mundial.
O_Caso Sommer
Em 1957 começa o longo processo judicial interposto pelos irmãos por causa da herança do tio Henrique. Foram 16 anos. Em 1969 é emitido um mandado judicial e vai para o México até 1973. É ilibado por todas as instâncias e juízes que o julgaram, incluindo os do Supremo Tribunal de Justiça.




Após a revolução empresários são recebidos pelo Governo 
A revolução
A 30 de abril de 1974, António Champalimaud e outros empresários são recebidos por Spínola, na reunião critica o regime anterior e pede reformas rápidas e necessárias de natureza económica e financeira. Proença de Carvalho diz que era um liberal, na verdadeira aceção da palavra.
As nacionalizações
No 11 de março de 1975 está em Paris, João Cravinho diz-lhe que a nacionalização da siderurgia está iminente. Todos os bens pessoais são congelados. Vai para o_Brasil, onde estava a construir uma fábrica de cimento. Compra uma fazenda e dedica-se à agropecuária.
"A primeira razão era dar comida
à família se a fábrica não tivesse sucesso."
O regresso a Portugal
Em 1992 vem a Portugal para participar nas privatizações. Adquire 51% da Mundial Confiança. O governo não o deixa recuperar as empresas de cimento. Não quer ir
à siderurgia. Resgata a maioria
do Totta e do Crédito Predial Português ao Santander. Em 1999, vende o grupo financeiro aos espanhóis.
Morre em 2004
Nunca regressou definitivamente a Portugal._Vinha cá no_Natal para estar com a família, mas até isso começava a incomodá-lo. "Dizia que as pessoas só falavam do passado e ele queria discutir com alguém que lhe falasse do futuro", conta-nos Luís. O regresso dá-se três a quatro meses antes de morrer, já doente.
https://www.dn.pt/portugal/interior/de-portugal-ao-mexico-e-ao-brasil-9196992.html
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A Fundação Champalimaud celebra hoje os 100 anos do nascimento de António Champalimaud e anuncia uma nova investigação para o cancro do pâncreas.
"A vida é uma luta e eu gosto da luta", dizia. Para a história do país ficou como um dos empresários mais ricos, chegou a integrar a lista dos mais ricos do mundo da Forbes, em 2004. E será sempre uma figura polémica. Quem com ele conviveu não esquece "o homem carinhoso, generoso, disciplinado, exigente, trabalhador e simples". Que sempre surpreendeu, até na morte.
Três dias depois da morte do pai, Maria Luísa, a mais velha dos cinco filhos vivos de António Champalimaud, reúne os herdeiros da família para abrir o testamento que lhe tinha sido entregue pelo próprio tempos antes. Foi na sala em que o pai costumava estar, da casa da Rua do Sacramento à Lapa, em Lisboa, onde viveu uma parte da sua vida e para onde voltou já doente meses antes de morrer, a 8 de maio de 2004, que os filhos, Maria Cristina, Manuel Carlos, José e Luís, e os cinco netos descendentes de António e João - o primeiro que perdera em 1978, num acidente de carro, e o segundo, em 1992, assassinado por um trabalhador -, Marta, António, Francisco, Filipa, Joana e Sofia, ouviram o que o empresário tinha para deixar à família e ao país, pela voz de Maria Luísa. A todos surpreendeu ao testamentar a criação de uma fundação direcionada para a investigação científica na área da medicina, à qual deu o nome dos seus pais "D. Anna de Sommer Champalimaud e Dr. Carlos Montez Champalimaud". Os estatutos estavam feitos, a presidente escolhida, Leonor Beleza, e o valor a aplicar definido, um terço da sua herança, que estaria avaliada entre os dois mil e os três mil milhões de euros. Luís Champalimaud, o filho mais novo, hoje com 66 anos, contou ao DN que a surpresa não poderia ter sido maior, só naquela altura voltou a recordar uma conversa com o pai, ainda nos anos de 1996-97, quando António Champalimaud se voltava a preocupar com o futuro do grupo e da família. Nessa altura, confessou ao filho estar a pensar numa fundação para reunir o grupo empresarial, mas, mais tarde, "acabou por me dizer que, se calhar, não era a melhor solução. E para mim o assunto ficou ali." Mas afinal não.
O empresário foi construindo aos poucos a ideia de fundação que pretendia, afinal, uma que olhasse para "a humildade e para o sofrimento dos outros", e sempre com a maior discrição e reserva, como "fazia parte do seu perfil", dizem-nos. E "talvez este seja o seu maior sucesso", admite o próprio filho, Luís Champalimaud, ao DN. Para a neta Inês, de 36 anos, que nasceu e com ele viveu até aos 9 anos no Brasil, não "há gesto maior de generosidade do que este", o que me faz ter muito "orgulho no meu avô".
Naquela tarde de 11 maio de 2004, na sala da casa da Lapa, estava também o advogado e amigo de longa data do empresário, Daniel Proença de Carvalho. Era o executor testamentário que de imediato informou a família que aquele gesto teria de ser comunicado ao Presidente da República e ao primeiro-ministro, na altura Jorge Sampaio e Durão Barroso. O que foi feito. Ambos vieram a público congratular-se com a decisão. A família decidiu enviar nessa mesma tarde um comunicado à agência Lusa a dar conta da vontade do pai e avô e de que iria cumprir o seu desejo. "Depois da leitura do testamento foi tudo muito rápido", recorda o filho Luís. No dia seguinte a notícia enchia páginas de jornais e era destaque em vários órgãos de comunicação social, tendo o seu gesto sido referido como "algo verdadeiramente incomum". Leonor Beleza confessava publicamente "ser uma grande honra ter sido escolhida por António Champalimaud e que tudo faria para corresponder às suas expectativas".
Na altura, diz ter sido apanhada de surpresa, mas depois percebeu que aquela ideia tinha algum tempo e até já lhe tinha sido transmitida pelo próprio durante um telefonema-relâmpago anos antes. "Apenas tinha estado pessoalmente uma vez com António Champalimaud, e num contexto de trabalho. Quando ele comprou o Banco Totta & Açores, eu era presidente do conselho fiscal, e ele convidou-me a ficar na mesma posição, e um dia fui almoçar a sua casa com as outras pessoas que estavam à frente do banco. Foi a única vez que o vi." Mas em 2000, recorda, recebeu um telefonema seu a perguntar-lhe se aceitaria ser presidente de uma fundação na área da saúde. "Disse-lhe que sim. Não pensei duas vezes. Há decisões que fazem sentido em segundos e de certa maneira ele estava a pedir-me que lhe respondesse naquela altura." E apesar de ter formulado "para mim própria a ideia de que não me ocuparia de novo do ponto de vista profissional com questões da saúde, vindo dele, um convite destes só poderia significar algo de muito especial e, por isso, foi absolutamente natural o dizer imediatamente que sim". Leonor Beleza, ex-ministra da Saúde no último governo de Cavaco Silva, ex-deputada do PSD, jurista de formação, relembra que na altura lhe pediu que lhe desse todas "as instruções adequadas sobre como quereria que eu viesse a fazer o que me estava a sugerir, coisa a que ele não acedeu". O passo seguinte só ficou a conhecer quatro anos depois no testamento que o empresário delineou com o seu advogado, Daniel Proença de Carvalho, que conhecia desde 1968, três anos depois de este se ter licenciado em Direito na Universidade de Coimbra, e que escolheu também, tal como outros nomes da sua confiança, para integrar o conselho de curadores da fundação.





SIDERURGIA Luís Champalimaud lembra-se do dia em que o pai levou a família para a cerimónia de inauguração da Siderurgia Nacional, no Seixal, em 1961. Na linha da frente, na foto, identifica o irmão João, de calções brancos, ao lado o Manuel e, atrás, o António. Lá estavam também a avó e as tias-avós Albana e Luísa. “Foi um dia em que concretizou um sonho de 20 anos e levou a família para celebrar. Mas ele era assim” 
Daniel Proença de Carvalho, hoje com 76 anos, começou a acompanhar o empresário quando se ocupou do processo que os próprios irmãos Sommer lhe moveram na justiça e que tinha por base um litígio de partilhas da herança do tio Henrique Sommer, que deixou quase tudo a António Champalimaud. O que parecia ser apenas uma querela entre irmãos acabou por se tornar num caso de justiça que durou 16 anos até ser resolvido. Ficou conhecido como o Caso Sommer e levou António Champalimaud a exilar-se no México, em 1969, quando soube que a polícia tinha emitido um mandado contra si. "Um processo que depois veio a provar-se ser injusto", comentou Proença de Carvalho. Mas foi quando este processo corria que teve a oportunidade de conhecer melhor o empresário. "Estive com ele durante três meses na Cidade do México. Estávamos lá praticamente sozinhos, almoçávamos e jantávamos juntos, e guardo desse tempo a recordação de um homem extremamente afável, inteligente, interessante e com uma disciplina férrea. Ele terminava o seu trabalho pelas seis ou sete da tarde e a partir daí não se falava mais de trabalho. Uma das coisas que ele criticava, às vezes até nos filhos, era o trabalharem de mais. Ele achava que era preciso ter também outra vida. Dizia que se a pessoa fosse disciplinada poderia conciliar trabalho, eficácia, divertimento e convivência." O advogado e amigo recorda que Champalimaud era um homem que defendia que "era preciso ter mundo". "Ele foi um homem do mundo, sempre viajou, da América Latina ao Japão, a África e a outros locais, e sempre a pensar no futuro. Se olharmos para o seu percurso, desde a II Guerra Mundial até 1975, do setor da indústria até ao mundo financeiro, é uma coisa impressionante. Ele construiu um grupo empresarial, perdeu tudo com as nacionalizações, retomou a sua vida no Brasil, veio a Portugal para recuperar algumas das suas empresas e ficou de novo com um grupo que melhorou e voltou a ter impacto. Foi sem dúvida uma pessoa que teve várias vidas."





LAZER António Champalimaud era um homem simples, “raramente se via num cocktail, não fazia esse tipo de vida social”, conta-nos Proença de Carvalho. O filho diz que gostava de tudo o que o desafiasse, como andar de pé na sua moto, pilotar (tirou o brevet aos 17 anos), andar a cavalo e de barco e caçar
Os mais de 30 anos de convivência levam-no a afirmar que só quem não o conhecia poderia pensar que a sua vida era baseada no dinheiro. "Ele era fundamentalmente um criador, um construtor de projetos. A sua vida não era uma vida por dinheiro. Nunca ninguém lhe viu fazer um negócio especulativo, poderia aparecer alguém a oferecer-lhe um negócio dizendo-lhe que em 24 horas ou num mês ganharia não sei quantas vezes mais o que investira que ele punha-o na rua. Isso era algo que estava fora de causa para ele." Uma frase que lhe é conhecida quando o questionaram porque pretendia vender o grupo financeiro, constituído por seguradoras e bancos, depois de o ter recuperado, é precisamente "tudo se compra e vende, menos a honra". E foi depois deste grande negócio, em 1999, que ficou com um património líquido que lhe permitiu pensar a sério na fundação que queria criar. Proença de Carvalho conta que foi nesta altura que lhe começou a falar do assunto, embora anos antes tivesse assistido a uma conversa entre ele e Ferrer Correia, presidente da Gulbenkian, entre 1993 e 1999, sobre fundações e o funcionamento destas, em que sentiu que "estaria ali com uma ideia, mas não tocou mais no assunto, até ao momento em que me disse que teríamos de preparar os estatutos". Quando o fez, já sabia o que queria. "Foi tudo delineado por ele", afirma, e "há dois aspetos que dizem muito da pessoa que era". Em primeiro lugar, o ter construído esta ideia e só a anunciar após a sua morte. "Podia tê-lo feito em vida, mas quem o conhecia sabia que isso não era dele, não o fez exatamente porque não quereria que um dia em vida se pudesse vangloriar desse gesto. Fê-lo de uma forma modesta, sem exibicionismos, coisa que detestava." Depois, o facto de ter dado à fundação o nome dos seus pais. "Foi um assunto que nem sequer permitiu que se discutisse quando começámos a tratar do projeto dos estatutos. Coloquei a questão por achar, com toda a franqueza, que o seu nome deveria estar nesta obra, pois tinha sido ele a pessoa que para ela tinha contribuído, com o seu trabalho, o seu esforço, com a sua enorme capacidade de generosidade, mas foi tema em que não permitiu qualquer discussão." Ele que, segundo nos contaram, tinha como estratégia diária provocar "a discussão", no bom sentido, para ver até onde os seus funcionários iam, no que lhe diziam, se tinham as suas opiniões bem fundamentadas. "Era assim que os conhecia, que sabia quem eram, não era o tipo de pessoa que achasse que os seus colaboradores tinham de lhe dizer aquilo que queria." Aliás. "se havia pessoas que detestava eram os yes men", assegura o advogado, que o define ainda como "uma pessoa que se questionava permanentemente, para melhorar sempre mais e mais o que fazia, era um perfecionista". Lembra momentos passados no México, quando estava de regresso a Portugal, e António Champalimaud lhe pedia para trazer algumas cartas. "Ele estava sempre quase até à hora de eu embarcar a corrigir as cartas que escrevera à mão, sempre para as melhorar. Era capaz de tomar uma decisão e passada meia hora dizer-me que ia fazer, mas que era desta maneira, no dia seguinte ligava a dizer que afinal era antes de outro modo, sempre com o intuito de atingir o que a sua mente lhe dizia estar perfeito. Por isso, penso que quando falou comigo sobre esta decisão já a ideia tinha sido bem amadurecida." Era um aspeto seu e muito marcante. "Nunca vi o António Champalimaud tomar decisões que não fossem muito amadurecidas, pensadas e repensadas. Era uma pessoa profundamente empenhada em tudo o que fazia." E o resultado está à vista, tanto acertou em vida no caminho que para si traçou como depois da morte. "Ele sabia escolher as pessoas, rodeou-se sempre de gente muito bem preparada, competente, por vezes, gente muito jovem, mas a quem atribuía responsabilidades elevadas, pois sabia terem capacidade para as assumir", diz o advogado. Foi isso, acredita, que aconteceu ao escolher o nome de Leonor Beleza para presidente da fundação. "Era uma pessoa com quem ele praticamente não tinha tido contacto, mas acompanhou o seu trajeto como ministra da Saúde, as vicissitudes por que passou com um processo na justiça, e considerava-a uma pessoa muito determinada, inteligente e corajosa, um pouco com as qualidades dele próprio. E achou que seria a pessoa indicada para levar a cabo esta sua decisão. Mais uma vez acertou. O projeto tem tido resultados notáveis."





FAMÍLIA António Champalimaud com os filhos. O mais novo, Luís, conta: “Nos fins de semana em que estávamos com ele (os meus pais separaram-se), ao domingo organizava um almoço no barco e íamos até Vila Franca, à fábrica em Alhandra, ou até ao Seixal, à siderurgia. Ele ficava a trabalhar e nós brincávamos, adorávamos"
António Champalimaud deixou em testamento quem queria na presidência, alguns nomes de pessoas que lhe eram muito próximas, como João Raposo Magalhães, Carlos Eugénio Correia da Silva, Pedro Abreu Loureiro, que era seu médico, António Travassos, para o conselho de curadores, e que o foco da fundação seria a investigação no campo da medicina, mas as áreas que hoje ali são investigadas, estudadas e tratadas já fazem parte dos desafios que a equipa em quem confiou traçou para si própria. Um trabalho que Leonor Beleza confessou ao DN ser resultado de muitas diligências e contactos com pessoas para tentar perceber quem era este homem e o que podia fazer para tentar "responder ao que pretendia de mim. O critério fundamental foi, em primeiro lugar, tentar perceber como é que ele olhava para as coisas e tomaria as decisões". "Não sou profissional de saúde nem tão-pouco investigadora científica, precisava de muita informação, de dados, para poder tomar decisões de forma segura e que pudesse explicar às pessoas porque eram aquelas e não outras." Mas o que mais a ajudou, confessa, foram os contactos que teve com grandes cientistas que a aconselharam a "não se conter na ambição", que a desafiaram a criar uma instituição que "pudesse ombrear com as melhores do mundo", o que foi muito marcante para o percurso que têm vindo a fazer.
Foi assim que chegaram às duas áreas científicas que consideraram em que valeria a pena investir ou "porque estavam perto de progressos que poderiam estimular ainda mais" ou porque "eram áreas que ainda estavam muito ligadas ao sofrimento dos doentes, das famílias, da comunidade". "A combinação destes dois aspetos permitiu pensar onde investir para chegar a descobertas essenciais que diminuíssem o sofrimento, o que nos levou até às neurociências e ao cancro", explica Leonor Beleza.
"A prova de que acertámos", refere Leonor Beleza, "é que posteriormente a nós outras instituições dos EUA, do Japão, da Coreia e a própria União Europeia viriam a escolher o cérebro como objeto de estudo e de grande investimento para se fazer avançar o conhecimento. As doenças neurodegenerativas estão a aumentar no mundo inteiro, como estão as depressões e outras doenças nesta área. E vão aumentar ainda mais, o que tem muito que ver com o mundo em que vivemos, em que nos estamos a transformar e em que temos de pensar. O mesmo acontece com o cancro, cuja incidência aumentou, entre muitos fatores, pelo puro efeito do envelhecimento. A ciência e o conhecimento avançaram muito nesta área, mas ainda há muito a fazer, o que do ponto de vista científico é muito aliciante."





Em junho de 2005, Leonor Beleza e Proença de Carvalho fazem o anúncio oficial da fundação. Contam com a presença da família, na foto Maria Luísa, a mais velha dos filhos vivos, e do_Presidente da República, Jorge Sampaio 
Depois do testamento aberto, bastaram dois anos para se constituir equipas, definir linhas, estratégias, o local onde iria nascer e recrutar pessoas, para anunciar que estava tudo a postos para começar a funcionar. Foi a 6 de junho de 2006, numa cerimónia que reuniu a presidente da fundação, Daniel Proença de Carvalho, a família e o Presidente da República Jorge Sampaio. Um ano depois, em 2007, a fundação atribuía pela primeira vez o Prémio Visão Champalimaud a projetos de investigação que se destacassem. A equipa de investigadores começava a trabalhar numa instituição de acolhimento, no Instituto Gulbenkian da Ciência, para, em 2010, se instalar no Centro Champalimaud, à beira-rio, em Belém. "Conseguimos o melhor local do mundo", diz Proença de Carvalho, apesar de este não ter sido o primeiro lugar pensado para a construção do espaço. "Pensámos que poderia ser na Quinta da Marinha", cujos terrenos fazem parte da herança da família. Em dez anos, a instituição conseguiu o reconhecimento internacional, mas o desafio permanente, para Leonor Beleza, "é o querermos estar sempre na linha daqueles que procuram incessantemente que o cancro deixe de ser uma grande ameaça e que as grandes áreas do desconhecimento sobre o que é o nosso cérebro e como ele funciona vão sendo desvendadas".





FILHO E NETA Luís Champa¬limaud e a filha mais velha,_Inês, no dia da inauguração do centro da Fundação D. Anna Sommer Champalimaud e Dr. Carlos Montez Champalimaud, em Belém, 2010. “Ele foi sempre muito ligado à mãe. A guerra entre os irmãos levou a minha avó a manter-se equidistante do caso. Eram todos filhos, mas o processo acabou por a empurrar para o meu pai. Quando ele teve de ir para o México ela foi lá ter com ele"
António Champalimaud faria hoje 100 anos. Foi um empresário empreendedor, uma figura polémica, mas quem o conheceu diz que foi sobretudo um criador, sem sentimentos saudosistas ou amarguras pelas vicissitudes da vida. Teve várias vidas, dizem-nos, mas sempre as viveu "com entusiasmo", sabedoria e uma "engenhosidade" que lhe eram próprias. O filho mais novo, Luís, diz tê-lo visto fazer operações comerciais com grande subtileza e inteligência rara, precisamente porque gostava do desafio. Era assim também na sua vida, gostava de fazer tudo aquilo que poderia não ser politicamente correto e que o desafiavam. "Adorava andar de moto, pilotar, andar de barco. Era um homem informado, "lia todos os jornais, às vezes, desde o Financial Times ao Herald Tribune, que muitas vezes lhe chegavam à fazenda, no Brasil, com uma semana de atraso". Por isso, tem dificuldade em defini-lo numa só palavra, "era tanta coisa... mas acima de tudo uma pessoa extremamente carinhosa, o que muitos não sabem, e sempre preocupado com a família".
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